quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Reggie (Ou Reginald Ferdinand Wilfred Hollingberry)

Aquele único gole poderia ter sufocado Reggie até a morte. Cuspiu de volta o whiskey ao copo quando escutou as palavras do tio. Teria cuspido de qualquer outra maneira. Reggie – Reginald Hollingberry – era um rapaz de constituição frágil. Moderadamente alto, mas pouco atlético; magro como um pré-adolescente, sempre derrubado pelo clima. Tinha uma resistência infantil ao álcool.

- O que o senhor disse, tio? – Reggie quis ouvir novamente.

- Tire férias comigo – Briscoe repetiu com descaso, um cachimbo descansando num dos cantos dos lábios. – Você e eu, Reggie, passando alguns meses no famoso Hotel Chambon.

- Eu nunca ouvi falar de nenhum Hotel Chambon – Reggie recompôs-se. – E, de qualquer maneira, não tenho alguns meses para gastar. Tio, eu me formei há duas semanas. Agora tenho uma vida profissional.

- Formou-se, é mesmo?

- Mandamos o convite para o senhor.

- Não recebi coisa nenhuma. O correio deve ter perdido.

- Tio, eu posso ver o convite daqui, no seu aparador.

- Que convite?

- O que eu mesmo fiz questão de enviar.

Briscoe lançou um olhar casual ao envelope que o incriminava. A fumaça subiu furiosamente de seu cachimbo.

- Besteira. Onde foi que se formou, mesmo?

- University of London – Reggie revirou os olhos.

- Eu deveria saber. Eu que paguei por ela. O que você fez?

Reggie pigarreou. Pousou o copo quase intocado sobre umas das muitas mesas caríssimas. Havia óbvio orgulho em sua voz quando contou ao tio:

- História da Arte, é claro.

O rosto de Briscoe empalideceu. Os lábios folgaram e permitiram que o cachimbo quase despencasse da boca.

- História da Arte? – Briscoe reagiu com choque. – Estou enlouquecendo ou ouvi você dizer História da Arte?

Mas Reggie, surpreso, somente suspendeu as sobrancelhas.

- Oh, Deus – Briscoe murmurou, cambaleando; agarrou sua sineta. – Oh, Deus. História da Arte. Eleanor! – gritou. – Meus sais!

- Sais? – Reggie parecia obviamente desconfortável. Seu rosto sardento exibia uma expressão solidária. – Tio...

- História da Arte – Briscoe ofegou. – Garoto. Você perdeu a cabeça? Onde está a família Ashbury em você? Será que a minha irmã ficou doida?

- Tio, ahn, devo chamar alguém?

- Só preciso dos meus sais.

- Não prefere um calmante?

Ellen entrou subitamente, a bandejinha de sais em mãos; estendeu-a a Briscoe com uma expressão alerta. Briscoe cheirou os sais, suspirando, aliviado.

- Este garoto – disse à criada. – É a vergonha do meu clã.

Ellen não pareceu ver muito em Reggie: um rapaz ruivo, de pelo menos um metro e oitenta, desengonçado como um brinquedo com juntas gastas, encolhido em uma sala que parecia suntuosa demais para sua figura acanhada. Era improvável supor que tivesse – Reggie – algum parentesco com Lord Briscoe.

- Meu único sobrinho. O único homem que restou na família – Briscoe lamentou. – E uma desgraça. Formado em História da Arte!

- Eu acho História da Arte fascinante – Ellen sorriu.

Briscoe dispensou-a com um gesto brusco de mãos.

- Reggie – dirigiu-se ao sobrinho. – Se antes o que eu fiz não passava de um convite – ele explicou. – agora se tornou uma questão de honra que venha comigo.

- Tio, o mundo não vai esperar por mim; preciso de uma carreira. Se o senhor quer saber, recebi um convite de...

- Eu lhe compro uma carreira quando voltarmos. O que pode mais importante do que ouvir os ensinamentos de um parente experiente – seu benfeitor – enquanto este se aproxima do seu fim derradeiro?

- Do que está falando?

Briscoe suspirou dramaticamente. Fechou os olhos. Quem o visse imaginaria que estava prestes a revelar o tipo de segredo que pode arruinar vidas inteiras.

- Reggie, eu – começou com uma voz dolorida. – Reggie, eu estou nas últimas.

E tornou a abrir os olhos. Queria se assegurar da reação do sobrinho. Reggie estava espantado. A boca entreaberta ameaçava inúmeras perguntas.

- Oh, Deus, tio – disse o rapaz. – O que é? O que os médicos disseram? – uma perspectiva nefasta pareceu ser considerada por Reggie. – É câncer?

Briscoe arregalou os olhos.

- Câncer? Não, moleque, eu não estou morrendo! – protestou. – O que eu quero dizer é que estou atravessando os meus últimos dias de juventude. Estou envelhecendo – e Briscoe apontou para os cantos calvos de sua cabeça.

Reggie parecia incrédulo. Ele riu – e, então, suspirou.

- Meu Deus, tio. Essa quase me pegou.

- Claramente você não entende a gravidade – Briscoe continuava a encará-lo.

- Tio, o senhor vai ficar bem.

- Não vou, Reginald. Meu psiquiatra acha que estou prestes a ter um colapso.

- Como em Noite de Reis?

Reggie precisou se esquivar do cachimbo que Briscou lançou enfurecidamente contra ele. O cachimbo acertou um retrato que rodopiou algumas vezes antes de parar no mesmo lugar.

- Me desculpe – Briscoe pediu. – Foi mais forte do que eu.

- Está tudo bem – ouviu a voz de Reggie vinda de trás de alguma poltrona. A cabeça vermelha do sobrinho logo surgiu. – Talvez o senhor precise mesmo de férias.

- É contra a minha vontade, mas está decidido.

- Bem, tio, eu espero que dê tudo certo e...

- Ótimo. Então está tudo certo.

- O quê?

Mas Briscoe ignorou a pergunta. Tocou sua sineta. Ellen reapareceu.

- Ellen, pode descer com as bagagens – requisitou.

- O senhor parte hoje? – Reggie quis saber.

- Não faça amanhã o que pode fazer hoje.

- Bem, tio, fico realmente feliz sabendo que está tão disposto.

Os criados de Briscoe trouxeram uma coleção de malas. Reggie fitou com espantos algumas das bagagens.

- Ei, são minhas – apontou para malas que lhe pertenciam.

- Tomei a liberdade de poupar seu tempo, Reginald.

- Tio, realmente, eu não posso ir. Eu...

- Ora, Reginald – Briscoe esbravejou. – Empregos existem aos milhares por aí. Ainda é novo. Quantos anos você tem? Dezesseis?

- Vinte e um – respondeu Reggie.

- Vinte e um. Bem, você é quase um bebê. Três meses não vão lhe fazer falta. E em três meses eu talvez possa ensinar o que basta para ser o meu herdeiro – Briscoe coçou a cabeça. – Que Deus me ajude.

- Seu herdeiro? – Reggie parecia surpreso.

- Bem, paspalho, você é o único cromossomo Y restante na família. O que minha irmã lhe ensinou? O que seu pai lhe ensinou? Não muito, posso ver, a julgar pelo modo como se veste. O que você quer ser, um professor?

- Mas é exatamente o que eu quero ser.

Boquiaberto, Briscoe agarrou o próprio peito, ameaçando precisar dos sais novamente. Reggie correu para socorrê-lo.

- Tio, tio, relaxe – implorou.

- Reginald, está partindo o meu coração. Pegue suas malas e vamos.

Reggie não sabia se – perplexo – deveria encarar o tio ou as malas ameaçadoras.

- Eu não posso simplesmente ir – ganiu.

- Ora, e por que não? Reginald, o coração de um homem não pertence ao próprio homem? Não é dono de sua vida?

- Tio, do que está falando?

Uma batida à porta – um dos empregados de Briscoe – anunciou:

- O carro está pronto.

- Perfeito – Briscoe bateu a bengala contra o chão. – Rá! – levantou-se. – Pode pegar as malas. As minhas e as do meu sobrinho ingrato.

- Tio...

- Reginald – Briscoe calou-o com autoridade. Recuperou um pouco da calma ao inspirar pesadamente. Enxergava Reginald – parecia ainda mais patético quando dividido. – Reginald, eu prometo que, se vier comigo, falarei pessoalmente com o reitor da própria Oxford quando voltarmos. Farei uma doação tão grande que eles não terão outra alternativa senão contratar você. E aí poderá ensinar e surpervisionar as futuras mentes brilhantes ou fazer o que quer que vocês pessoas façam.

- Não é assim que funciona.

- É assim que funciona no Briscoeverso. Vamos. Tah-tah. Avisaremos sua mãe quando chegarmos lá. Você não tem uma namorada, tem? Se tiver, agora é a hora de terminar tudo.

- Eu não tenho uma namorada – o tom de Reggie era quase infeliz.

- Perfeito. Mova-se.

Briscoe esperou que o sobrinho o seguisse. Reggie não conseguiu se mover – não imediatamente. Os ombros curvados denunciavam sua própria derrota. Olhou para as malas e sacudiu negativamente a cabeça, parecendo compreender – ou tentando – o que estava prestes a fazer.

- O tempo é precioso, Reginald – o tio chamou.

Um comentário: